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A Família Livre da Violência
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Hossein B. Danesh : A Família Livre da Violência
A Família Livre da Violência

O Alicerce da Construção de uma Civilização Pacífica

Hossein B. Danesh

Título original em inglês: The violence free family

Tradução: Osmar Mendes
Prefácio

A humanidade, agora nos últimos estágios da era turbulenta de sua adolescência coletiva, encontra-se acabrunhada por um processo destrutivo, devastador e sinistro. As guerras estão se alastrando; a fome e as doenças devastam populações; milhões de refugiados vivem em condições de miséria abjeta; famílias se desagregam; crianças são negligenciadas, injuriadas e abandonadas; os poderes da ciência e tecnologia são usados para produzir instrumentos de destruição; lideres políticos vêem-se cada vez mais incapazes de administrar efetiva e construtivamente os assuntos humanos; e muitos líderes religiosos e seus seguidores estão mesmerizados com as diferenças entre as várias religiões e privados de discernimento para ver sua unidade fundamental.

Dentre esses e outros desafios que a humanidade enfrenta atualmente, o desafio que é alarmante e de piores conseqüências é o que diz respeito à instituição da família e a situação angustiosa em que se encontra. Isso pelo fato de ser a família a oficina de trabalho da civilização, que inclui todos os membros da raça humana. Não existe ninguém sem família. Todos têm uma família de um tipo ou de outro. Mesmo as crianças, os jovens, os adultos e os idosos carentes de um lar pertencem a famílias compostas de outras pessoas sem lar. Devido a este fato, é elogiável que as Nações Unidas tenham chamado a atenção pública do mundo para esta instituição fundamental da sociedade - a família - a qual está sofrendo ataques de todos os lados.

Assim sendo, muito trabalho precisa ser feito e muitas vítimas inocentes da presente deterioração da atual ordem social precisam ser salvas, sendo que as responsabilidades diretas de ações nesse sentido são inevitavelmente de todos nós como indivíduos, comunidades ou nações. E precisamos agir o quanto antes. De outra forma, a marcha dos eventos, sem dúvida alguma, nos engolfará a todos em uma tempestade de violência e destruição como jamais a humanidade presenciou através de sua longa e árdua história.

Este pequeno volume é, portanto, direcionado a todos nós; como indivíduos, como pais e mães, como esposos, professores, trabalhadores, administradores, mentores espirituais, cientistas, filósofos, personalidades da mídia, artistas, e líderes em geral a nível local, nacional ou internacional - quem quer que sejamos, seja lá o que fizermos, onde quer que vivamos e qualquer que seja a nossa lealdade maior. Esta obra expressa nossa inabalável crença na nobreza do espírito humano, na unidade fundamental da raça humana, e na vitória final das forças do amor e da justiça sobre aquelas que representam o ódio e a tirania.

Dr. Hossein Danesh
A FAMÍLIA LIVRE DA VIOLÊNCIA

O ALICERCE DA CONSTRUÇÃO DE UMA CIVILIZAÇÃO PACÍFICA

INTRODUÇÃO
A FAMÍLIA LIVRE DA VIOLÊNCIA

O ALICERCE DA CONSTRUÇÃO DE UMA CIVILIZAÇÃO PACÍFICA

O Ano da Família instituído pelas Nações Unidas (1994) encontra a instituição da família enfrentando grandes crises.

Não é mais universalmente aceito o conceito de que a família é essencial para o bem-estar do indivíduo e da sociedade. Existem muitos conceitos, válidos, relacionados ao papel da família, tanto no passado como no presente. Em algumas áreas, a própria validade e utilidade da família está sendo questionada.

As principais preocupações com a família giram em torno da posição das meninas e das mulheres na família e a maneira pela qual são injustamente tratadas pelos meninos e pelos homens. Uma outra preocupação é que essas práticas abusivas têm ocorrido no passado e continuam ocorrendo, justificadamente segundo alguns padrões culturais, crenças religiosas e infundadas teorias e documentos "científicos".

Outra preocupação séria sobre a família, está relacionada com o papel vital dos pais em educar a próxima geração de crianças. Muitos questionam a conveniência dos filhos serem criados pelos próprios pais, tendo havido até o surgimento de instituições alternativas para a criação de crianças, com resultados animadores.

Ainda outra área de preocupações é a justificativa freqüente da violência e preconceito contra membros não oriundos da família, em nome da solidariedade familiar e do relacionamento consangüíneo. Todas essas preocupações têm levantado questões legítimas sobre a família e seu papel na sociedade contemporânea.

Esta apresentação trata especificamente de três questões:

1. Deve a família, como existe atualmente, ser abolida?

2. Podemos viver sem a família tradicional?

3. Existe uma alternativa viável para a família tradicional?

Na tentativa de responder a estas questões, este ensaio apresentará as características principais da família baseada na unidade como a tentativa mais prática para criar a família livre da violência. Finalmente, serão apresentadas três recomendações específicas a serem consideradas pelos líderes políticos do mundo e pelas Nações Unidas e suas agências afiliadas.

I. Deve a família, da forma como apresenta-se atualmente, ser abolida?

Muitos respondem a esta pergunta de forma afirmativa e identificam pelo menos três razões porque a família, como a conhecemos e é praticada até o momento, deve ser abolida. Essas razões são:

1. A instituição da família no passado, e até em grau considerável no presente, tem sido uma fonte de controle, domínio, abuso e violência contra seus membros mais fracos, ou seja, mulheres e meninas, e os física e psicologicamente em desvantagens, mais especialmente os idosos.

2. A família tem apoiado, defendido e promovido as condições de desigualdade entre homens e mulheres, dando aos primeiros maiores prerrogativas de liberdade e privilégios.

3. A família tem encorajado e, promovido práticas de criação de filhos que têm resultado em deficiências fundamentais no desenvolvimento do caráter tanto dos meninos quanto das meninas.

O Poder e a Família

Os argumentos para abolição da família como o núcleo básico da sociedade baseia-se principalmente no tema central do poder e seu papel no relacionamento familiar e em suas atividades. Historicamente, até agora, a maioria das famílias em todas as culturas e sociedades do mundo têm sido os baluartes da dominação e do poder masculino. "O poder masculino" tem sido, e ainda o é, exercido em todos os aspectos da vida dos membros femininos das famílias, controlando seus direitos e privilégios educacionais, suas preferências e desejos sexuais, seu status e oportunidades sociais, sua independência e bem-estar econômicos, suas liberdades pessoais e suas responsabilidades, sua posição espiritual e aspirações em geral.

O abuso do poder pela família tem contribuído também para a manutenção de profundos preconceitos e hostilidades entre famílias ou clãs.

Para entender as dinâmicas das famílias e casamentos baseados no poder, precisamos compreender os desafios da igualdade entre mulheres e homens.

Isto é de singular importância porque algumas das principais crises nos casamentos contemporâneos e nas famílias em geral estão relacionadas com o assunto da igualdade e da inabilidade - ou má vontade da maioria dos homens e de algumas mulheres em relacionarem-se mutuamente em bases iguais. O assunto do casamento é introduzido aqui porque, diante de muitas circunstâncias, as instituições do casamento e da família estão inter-relacionadas.

Características da Igualdade

A igualdade é um sinal de maturidade, e maturidade é o processo de uma habilidade sempre crescente de integrar e unir, em vez de separar e individualizar. O individualismo é o caráter distintivo da fase adolescente do crescimento. É uma condição de auto-absorção e auto-adoração. É uma condição que não inclui outras pessoas, exceto em beneficio próprio. A igualdade, ao contrário, é um estado de unidade e integração.

É um relacionamento caracterizado pela boa vontade e habilidade de ser cooperativo, generoso e voltado para o próximo. No mundo contemporâneo, numa época em que a humanidade atravessa sua fase mais problemática da adolescência1, a busca da igualdade entre homens e mulheres deteriorou-se em uma luta pelo poder, virulenta e destrutiva. O poder, próprio instrumento que os homens sempre utilizaram para alcançar seus interesses pessoais está sendo agora buscado pelas mulheres, a fim de corrigir as injustiças do passado e do presente, em decorrência, a potencialmente destrutiva luta pelo poder se manifesta em muitos casamentos.

Esta situação não nos deve surpreender. É o resultado esperado de um estado mental que dá ao poder a máxima importância nos relacionamentos humanos. É a atitude mental da humanidade em suas coletivas fases de infância e adolescência.

Daqui para frente será instrutivo rever brevemente o papel do poder em dar formato às características do casamento como uma arena de relações humanas íntimas e um precursor da família.

As Principais Características do Casamento

O casamento é uma entidade social viva que decorre da união consciente e deliberada de uma mulher e um homem. Como tal, o casamento não é somente uma instituição legal, religiosa ou social. É também uma instituição que vive e se desenvolve, sujeita a todas as leis e exigências dos organismos vivos. Em outras palavras, o casamento não é simplesmente a soma total das esperanças e poderes de dois indivíduos que o realizam. Melhor dizendo, o casamento tem sua própria dinâmica e poderes que transcendem àqueles dos indivíduos que se casam. A contrapartida biológica do casamento é a união do esperma e do óvulo. O ovo fertilizado tem poderes e potencialidades bem distintos e superiores àqueles tanto do esperma quanto do óvulo isolados. Da mesma forma, a união de um homem e de uma mulher no ato consciente do casamento, cria um organismo social que é distinto e separado tanto do homem como da mulher. Sob condições saudáveis, os poderes do casamento são resultado de uma amálgama, de uma coordenação e integração dos poderes do esposo e da esposa.

Este tipo de poder é criativo e cooperativo em natureza. Uma analogia irá ajudar a elucidar melhor este fenômeno muito importante e pouco compreendido.

Se compararmos o casamento com um pássaro seus próprios poderes e capacidades, o marido e a esposa são as asas que tornam possível o vôo do pássaro. Porém, seu vôo depende da igualdade e harmonia entre os poderes de ambas as asas. Sem tal igualdade e unidade, a instituição do casamento não poderá alcançar as alturas das realizações que potencialmente pode alcançar2.

Através da história e em todas as culturas, esta falta de igualdade entre as mulheres e os homens, tem sido a mais forte causadora das misérias da vida conjugal. Da mesma maneira o domínio do homem sobre a mulher no passado, trouxe toda violência e tristeza às vidas de incontáveis milhões, o atual predomínio da luta pelo poder no casamento resultará em novas formas de miséria no casamento e na vida da família. Casamentos caracterizados pelo domínio do poder tornam a vida miserável não somente para os maridos e as mulheres, mas também para os seus filhos. Conseqüentemente, a família inteira sofre.

Para resumir, a resposta à questão "Deve a família como existe atualmente ser abolida?" - é sim. Os antigos casamentos e as famílias orientados à violência e baseados no poder, não são mais aceitáveis ou viáveis na medida em que a humanidade, inevitavelmente, entra em sua fase longamente esperada de vida coletiva adulta e começa sua era de relacionamentos maduros. No entanto, se abolirmos a família como a conhecemos e praticamos, surge uma nova pergunta:

PODEMOS VIVER SEM A FAMÍLIA TRADICIONAL?

Para responder a pergunta do que pode substituir a família, necessitamos identificar a principal função da família e ver se podemos confiar esta responsabilidade a outra instituição. A família tem sido e continuará sendo o ambiente mais apropriado no qual as próximas gerações de crianças poderão crescer e formar suas mentalidades próprias, ter suas próprias concepções sobre si mesmas, sobre o mundo, e sobre o propósito e significado da vida. Em outras palavras, a família é a oficina da civilização. Dito de outra forma: "A família é uma nação em miniatura."3

Filhos e Pais

Crianças automaticamente criam uma família porque a própria presença delas coloca os adultos e os outros da casa no papel da família. No entanto, quando a família não esta baseada em bases sólidas, não pode desenvolver a responsabilidade paternal adequada. As crianças, por natureza, necessitam de proteção, de cuidados, de guia e encorajamento. Estas são as principais propriedades do amor paternal. Crianças necessitam de modelos a fim de poderem aprender sobre as qualidades dos adultos bem como dos pais. Na medida em que estas necessidades básicas das crianças forem atendidas, na mesma proporção elas se desenvolverão para serem adultos protetores, atenciosos, orientadores e encorajadores - pais sadios e capacitados. Em outras palavras, as crianças criadas em famílias sadias e amorosas tornar-se-ão pais saudáveis e amorosos. O oposto é também verdadeiro. Na proporção em que uma família falhar em atender a estas necessidades básicas das crianças, na mesma proporção a sociedade será oprimida com as conseqüências da negligência e dos maus tratos, e sofrerá muito com as condições resultantes da apatia e violência. As qualidades acima enumeradas, dos pais e das mães, são aspectos do amor - aquela força universal que une e cria. Crianças de famílias sadias, quando adultas, estarão capacitadas a casar-se e formar famílias caracterizadas pela unidade, igualdade e criatividade. Estas são algumas das características da "família livre da violência".

Ao contemplarmos as condições das crianças no mundo, um fato apresenta-se como óbvio - nossas crianças não estão sendo criadas pelos pais de forma adequada. Nas regiões do mundo onde ocorrem guerras, as crianças são as vítimas mais trágicas. Nas áreas onde impera a pobreza, as crianças são as que mais sofrem. Nas sociedades afluentes, as crianças são relegadas a um nível terciário de prioridades, depois dos interesses pessoais e econômicos de parte dos pais. Onde quer que seja que as pessoas enfrentem preconceitos e o racismo, são as crianças as vítimas mais inocentes e as mais prejudicadas. Há algum lugar no mundo onde se pode afirmar confiantemente que as maiorias das crianças sejam criadas em condições saudáveis e amorosas? Mesmo quando algumas crianças têm sorte suficiente de terem benefícios de pais amorosos e viverem em circunstâncias confortáveis e seguras, elas são privadas freqüentemente de atenção amorosa à algumas ou a todas às suas necessidades físicas, intelectuais, emocionais e espirituais. Esta privação ocorre porque a instituição da família tornou-se débil e incapaz de atender às exigências e demandas das mudanças que ocorrem no mundo atual. As famílias orientadas pelo poder autoridade do passado não são mais apropriadas às necessidades desta nova fase da evolução da humanidade. Faz-se necessário haver um novo tipo de família e um novo enfoque a todas as tarefas importantes na criação das crianças.

Para resumir: a resposta à pergunta "Podemos viver sem a família tradicional?" é tanto sim como não. A família, como oficina da civilização é parte individual da vida civilizada. Como tal, não podemos prescindir da família. Porém, o tipo de família que o mundo agora precisa não é a que tivemos no passado. Um tipo dramaticamente diferente é necessário. Isso nos leva a uma terceira questão alternativa.

EXISTE UMA ALTERNATIVA VIÁVEL PARA A FAMÍLIA TRADICIONAL?

A questão de uma alternativa viável para a família tradicional precisa ser ampliada para cobrir dois temas principais: alternativas para a família e alternativos tipos de famílias. Enquanto o anterior clama pela abolição da família ou algumas de suas funções mais importantes, o posterior busca por novos protótipos da família. Ambos os enfoques têm sido experimentados. O objetivo aqui não é catalogar aqueles enfoques e analisar seus méritos e deméritos; antes, eu farei um breve resumo das conseqüências das tentativas de encontrar modos alternativos de criar crianças, que sempre tem sido a principal função da família. Eu então apresentarei um novo modelo da família baseada no conceito da unidade como o próximo inevitável passo na evolução da instituição da família e como a única forma de criar famílias livres da violência.

Formas Alternativas de Criar Filhos

Apenas neste século, tivemos muitas experiências notáveis em muitas partes do mundo quanto a deixar a principal parte da tarefa de criar os filhos a outras instituições e indivíduos que não sejam os pais . Os órgãos governamentais para a criação de crianças na antiga União Soviética, Israel e outros países do Leste Europeu, o surgimento fenomenal de facilidades públicas e privadas para cuidar e educar crianças na América do Norte e Europa, e outras experiências menores, mas significativas, em outras partes do mundo, são exemplos destacados de tentativas para encontrar alternativas para a família, especialmente para a tarefa de criação de filhos, anteriormente sob a responsabilidade dos pais e de outros membros da família. Uma análise imparcial dessas experiências impele-nos a concluir que nenhuma instituição, governamental, religiosa, profissional, ou qualquer outra, é capaz de, adequadamente, substituir a família com relação a todas as principais tarefas de responsabilidade dos pais. Independente do fato de serem bem treinados e bem intencionados, esses pais substitutos não são capazes de prover aquele estado primordial de unidade e afinidade que naturalmente existe entre pais e filhos. É no contexto da família que os laços biológicos, psicológicos, culturais e espirituais encontram sua expressão mais completa.

As crianças que passam grande parte das horas diárias de seus primeiros dias e de sua infância longe dos pais, em creches, em escolas maternais e outras instituições públicas ou privadas, enfrentam desde cedo desafios especiais. Elas passam por sérias experiências em grau maior ou menor, como um grande sentimento de perda, de abandono e rejeição, que essas instituições assistenciais, apesar de todos os recursos e programas bem concebidos, são incapazes de remediar. Nem têm condições de melhorar o temor, a raiva e a ansiedade que essas crianças, carentes dos pais sentem. Na verdade, existe crescente evidência de que tais formas de criação de crianças aumentam seus sentimentos de rejeição e de desamor. Creio que a raiva, a fúria e a rejeição, que muitas crianças demonstram contra os pais e contra a sociedade, têm suas raízes nos sentimentos de serem rejeitadas e colocadas em segundo plano.

As crianças criadas em instituições maternais e creches em geral, onde passam grande parte de sua vida diária, correm o perigo de desenvolverem o que chamo de "mentalidade tribal". Essas crianças, em virtude do pouco que têm entre si, e da carência de um relacionamento amoroso e sincero com os pais e outros adultos, crescem muito apegadas aos seus companheiros e alimentam grande prevenção contra os adultos. A tendência é unirem-se em grupos ou gangues e serem manipuladas totalmente por colegas de personalidade carismática. São facilmente induzidas a imitá-los e agir conforme lhes for determinado. São extremamente egoístas e descrentes, e em seus esforços de sobrevivência e gratificação de desejos pessoais não hesitam em cometer atos irracionais e destrutivos. Essas crianças têm pouco respeito às autoridades. De fato, tendem a ver todas as autoridades com a mesma suspeição e hostilidade com a qual vêm seus pais, pessoas que as rejeitaram e que são indignas de confiança. Isso é assim porque muitos pais, que na verdade amam seus filhos, não expressaram seu amor através de atitudes e atividades paternais e maternais, nem agem nesse sentido. Existe uma discrepância básica entre o que estes tipos de pais dizem e o que fazem.

II. Rumo a um novo tipo de família

Até agora, está clara a futilidade de buscarmos alternativas para a instituição da família. Estas alternativas provaram ser ineficazes e até destrutivas. As três principais características destes três tipos de família (família baseada no poder, família baseada na indulgência e família baseada na unidade) são manifestadas dentro do âmbito das três principais capacidades humanas as quais são: o conhecimento, o amor e a vontade. Em vez disso, estarmos interessados em criar novos tipos de famílias baseadas na unidade. As famílias do passado eram primariamente baseadas no poder. As famílias atuais são, geralmente, ou baseadas no poder ou baseadas na indulgência e, não raramente, em ambos.

As Principais Capacidades Humanas

Essas três capacidades: conhecimento, amor e vontade, fazem parte da mais íntima realidade do ser humano. São universais em sua expressão e transcendem sexo, raça e fronteiras culturais para formar a estrutura na qual famílias funcionam e membros da família interagem. Como tais, a descrição e análise aqui apresentadas aplicam-se a todas as famílias.

Porém, esta uniformidade nos fundamentos da instituição da família não implica que todas as famílias do futuro serão idênticas e indistinguíveis. Na verdade, o contrário é que é a verdade. Uma das qualidades mais salientes de nós, seres humanos, é nosso poder criativo e interesse em incluir diversidade em todos os aspectos de nossos esforços, pessoais ou coletivos. É esta criatividade e diversidade que traz riqueza e beleza a nossas vidas, permitindo que sejamos distintos embora únicos, separados, embora unidos, independentes, embora interdependentes. É também nas bases desta criatividade e diversidade que nós podemos estabelecer a verdadeira unidade e evitar os perigos da conformidade. O papel das principais capacidades humanas: conhecimento e amor tornar-se-ão mais claras a seguir, na discussão das características das famílias baseadas no poder, indulgência e unidade4.

Famílias Baseadas no Poder

Nas famílias baseadas no poder, o acesso ao conhecimento não é igual. Historicamente, em muitas culturas os homens têm livre acesso às fontes do conhecimento e informação, enquanto que às mulheres têm sido, sistematicamente, negados tais acessos.

Nas famílias baseadas no poder, a educação dos meninos e dos homens tem precedência sobre a educação das meninas e das mulheres, às quais são dadas funções e responsabilidades que aparentemente não exigem educação e refinamento de suas mentes. Enquanto que, na realidade, as responsabilidades tradicionais das mulheres, particularmente aquelas relacionadas à educação das crianças, são as que exigem muita educação e treinamento apropriado. Uma mente bem treinada é essencial para o desenvolvimento saudável do indivíduo e da sociedade, e negar tal treinamento, particularmente às mulheres, é uma injustiça manifesta e uma indicação de nossas limitações mental e total ignorância dos requisitos básicos à criação de um mundo pacífico e feliz.

Outra expressão do uso inadequado da capacidade humana do conhecimento nas famílias baseadas no poder diz respeito aos assuntos relacionados à veracidade e confiança. O fruto final da capacidade humana no que tange ao conhecimento é a verdade quanto a idéias, de um lado, e a veracidade e confiabilidade no contexto do relacionamento humano, de outro.

A família baseada no poder, por sua própria natureza, sofre, em graus variados, em decorrência da desordem no conhecimento. Portanto, não é surpresa que tais famílias sofram pela falta de veracidade e confiança em seus relacionamentos interpessoais.

As famílias baseadas no poder também sofrem em decorrência da falta do amor em seu meio. A prevalência do poder nessas famílias toma a expressão do amor condicional à boa vontade das pessoas em aceitá-lo. A pessoa mais poderosa na família exige obediência e submissão de outros membros da família, e, em contrapartida, oferece-lhe um pouco de cuidados e compaixão. Normalmente, em tais famílias, é o marido quem espera a submissão da esposa e dos filhos. Porém, não raramente, tanto o pai como a mãe usa sua posição de poder para exigir obediência e conformismo dos filhos.

O Preço do Conformismo

O conformismo é fundamentalmente diferente das expectativas legítimas dos pais em relação aos filhos, para que tenham boa conduta, boas maneiras, para que sejam polidos e atenciosos. Para exigir tal forma de conduta de seus filhos e realizar os esforços necessários para criá-los a fim de que sejam "bons cidadãos", devemos demonstrar nosso amor a eles. Na verdade, se não fizermos o máximo possível no sentido de criá-los dessa maneira, teremos falhado em demonstrar nosso verdadeiro amor para com eles. Amor, por sua própria natureza e em sua expressão mais sadia, é uma força de crescimento, de disciplina interna, de universalismo e discernimento. É a própria antítese da indulgência, da promiscuidade, egoísmo e intolerância. Estas últimas condições são aspectos de uma forma autoritária de direção familiar (baseada no poder), sendo o conformismo uma de suas mais importantes características.

Os pais que exigem conformismo dos filhos estão interessados em controlá-los. Desejam moldá-los à sua própria imagem. Conseqüentemente, desencorajam a curiosidade, a originalidade e a criatividade. Temem o que é diferente e singular. Dentro da dicotomia do enfoque autoritário de vida, as sementes do preconceito, da suspeição e exclusivismo são semeadas nas mentes e nos corações dos filhos. Essas crianças são criadas para sentirem-se seguras dentro das rígidas fronteiras do conformismo e, nesse processo, tornam-se temerosas de tudo o que é diferente e singular. A diversidade torna-se uma ameaça e a uniformidade tem precedência. Tais crianças vêem o mundo no contexto da separação e divisão, não hesitando em ser violentas com aqueles que são diferentes delas.

Porém nem todas as crianças criadas nos confins da conformidade tornam-se conformistas. Na verdade, um número significativo de crianças criadas em famílias autoritárias se rebela contra toda autoridade assim que puderem. Muitas destas crianças, tornam-se, mais tarde, agentes da anarquia e desordem. Elas manifestam as suas raiva e frustração contra toda coisa e todo mundo que represente ou clame pela disciplina e ordem.

Outra expressão doentia do amor nas famílias baseadas no poder é que enquanto um pai é exigente e autoritário, outro normalmente compensa tal atitude tornando-se indulgente e super protetor. O resultado desta combinação de poder e indulgência é a criação de um estado de egoísmo que, pela própria definição do termo, é o oposto da capacidade de amar. Devido a esses fatos, o amor, nas famílias baseadas no poder tende a ser condicional, ambivalente, desagregador e conducente à criação de uma dependência indesejável e egoísmo prejudicial.

Em adição ao desenvolvimento e expressão inadequados das capacidades humanas de conhecimento e amor, as famílias baseadas no poder têm também dificuldade com relação ao desenvolvimento e à expressão da vontade de seus membros. Toda conduta humana expressa nossa capacidade de escolher e tomar decisões. Devido a este fato, é essencial que os pais e educadores dêem atenção especial ao desenvolvimento correto da vontade das crianças. Quando a capacidade humana de querer é desenvolvida de uma forma sadia, as qualidades de justiça e serviço tornam-se sua expressão natural. As crianças que recebem cuidados paternos inadequados, por sua vez, em virtude de sentirem-se sozinhas; e pelos temores, ansiedades e ressentimentos que têm, sentem-se muito vulneráveis e concentram toda sua energia para sobreviverem e sentirem-se seguras. Conseqüentemente, essas crianças têm uma grande inclinação para serem destrutivas e terem comportamentos violentos. As famílias baseadas no poder não estão equipadas para ajudar seus filhos a desenvolverem o poder da vontade de uma maneira sadia. Isto é particularmente verdadeiro no mundo de hoje. Nas sociedades humanas do passado havia muito maior homogeneidade entre elas e as distâncias geográficas que as separavam eram consideráveis. O lugar das pessoas na sociedade, os processos de vida que buscavam e os papéis que exerciam eram amplamente predeterminados.

Havia uma estrutura rígida e forte expectativa com o conformismo, o qual tomava a vida mais simples, embora menos satisfatória em realizações. Havia um intercâmbio de liberdade pessoal para a segurança social. No entanto, em nosso mundo atual, é o oposto que ocorre. O preço da liberdade pessoal irrestrita tornou-se a ruína da ordem social. Esses dois extremos são expressões de nosso limitado entendimento e uso inadequado da vontade humana em nossos estágios coletivos de infância e adolescência, respectivamente.

O Desafio da Liberdade

À verdadeira liberdade não é a liberdade de fazermos o que quisermos, quando quisermos e onde quisermos, contanto que não estejamos prejudicando os outros. A verdadeira liberdade decorre da capacidade de não fazermos o que somos impelidos a fazer, embora tenhamos a capacidade e a oportunidade de fazê-lo. Em outras palavras, somos verdadeiramente livres quando desenvolvemos o grau de disciplina interna e transcendência pessoal que nos permita usar nossas capacidades de conhecer, amar e querer a serviço dos outros e para o propósito de criar condições de igualdade, justiça e unidade. Essas qualidades não são admissíveis, numa visão global, nas sociedades e famílias baseadas no poder, e são normalmente descartadas como sendo utópicas e irreais em natureza. Porém, permanece o fato de que o mundo não mais é capaz de continuar no caminho do progresso e da verdadeira civilização se continuarmos a insistir em agirmos dentro do contexto do poder e do autoritarismo5.

Famílias Baseadas na Indulgência

Desde o final da Segunda Guerra Mundial no ocidente e em muitas outras partes do mundo, um novo tipo de família se desenvolveu. São as famílias baseadas na indulgência ou no prazer que colocam a gratificação dos desejos e necessidades pessoais como prioridade sobre todos os outros aspectos da vida humana. Nessas famílias, a busca do conhecimento e da verdade não tem relevância, exceto para ganhos pessoais.

O amor, nas famílias baseadas na indulgência, é visto como sendo gratificação pessoal, e os poderes da vontade humana são expressos de forma anárquica e promíscua. As crianças, nessas famílias, crescem para se tornarem imensamente egoístas, intolerantes e indisciplinadas. Exigem de seus pais e da sociedade condições de satisfação instantânea de seus desejos e quando suas demandas não são atendidas prontamente, freqüentemente recorrem à violência e ao crime. Esses indivíduos são fortemente inclinados a desenvolverem hábitos de dependência e relacionam-se com os outros como se tivessem privilégios automáticos e ilimitados. Em essência, as famílias baseadas na indulgência surgiram não somente como uma forma de reação às práticas autoritárias, desacreditadas, do passado, mas também devido a pelo menos três outros importantes fatos correlatos: o enorme crescimento do individualismo, o aumento grandioso das riquezas materiais das pessoas e das sociedades, e uma mudança dramática nos padrões da moral e dos princípios éticos dos indivíduos e da sociedade. Do ponto de vista psicológico, estas fases são semelhantes às do desenvolvimento coletivo da sociedade humana, a última fase da adolescência.

Nas últimas décadas, ocorreu um fato muito interessante, embora potencialmente alarmante, que foi o da presença, em muitas famílias, tanto do poder como da indulgência, em sua forma de atuar. Esta junção, desafortunadamente, resultou em maior confusão no relacionamento familiar e na atuação dos pais. Com muita freqüência, observamos famílias que são extremamente permissíveis e indisciplinadas na criação dos filhos, enquanto ainda pequenos e relativamente moldáveis. Porém, as mesmas famílias tornam-se fortes rejeitadoras e autoritárias com os mesmos filhos quando eles ficam mais idosos e começam a ter uma conduta não aceitável ou confortável para os pais. Tais famílias, então, rejeitam os filhos e passam para a sociedade o cuidado e o controle da vida deles. Tais filhos, sentindo-se rejeitados, revoltados e confusos, voltam sua ira contra a sociedade e a todos os que a ela pertencem, incluindo adultos, outros jovens e o próprio meio ambiente. São sob tais condições que ocorrem os atos de violência, aparentemente injustificáveis, ilógicos, maldosos, e assim podemos ter um vislumbre da dinâmica que se oculta atrás deles.

Tendo analisado as principais características e dinâmicas tanto das famílias baseadas no poder, quanto das baseadas na indulgência, focalizaremos agora as características das famílias baseadas na unidade e consideraremos as formas pelas quais podemos promovê-las em nossas sociedades6.

III. Famílias baseadas na unidade

A humanidade está agora nos estágios finais de sua adolescência coletiva. À medida que amadurecermos, deixaremos para trás a atitude mental baseada no poder e no controle. Isso ocorre porque a evolução e transição de um estágio de desenvolvimento para outro é um aspecto inevitável da vida, sendo que a dimensão mais importante desta transição é o desenvolvimento de uma nova atitude mental. A natureza desta nova mentalidade está diretamente relacionada com o fato da unidade da humanidade, que alcança sua mais elevada expressão no estado de unidade, que é importantíssimo. É impossível à humanidade avançar no caminho do progresso a não ser que se estabeleça no mundo uma vida de unidade - interna, interpessoal e internacional.

Ao entrarmos no próximo estágio de nossa evolução coletiva, gradualmente nos afastaremos da mentalidade infantil e adolescente, baseada no controle, na luta pelo poder, e na indulgência, começando a ver o mundo da perspectiva da unidade. Também começaremos a nos afastar das famílias baseadas na indulgência e no poder e nos aproximaremos das famílias baseadas na unidade.

Para entendermos melhor as características das famílias baseadas na unidade, seguiremos o mesmo padrão que adotamos para estudar os outros tipos de famílias, com os parâmetros das principais capacidades humanas: o conhecimento, o amor e a vontade.

Características das Famílias Baseadas na Unidade

Nas famílias baseadas na unidade a aquisição do conhecimento é, não somente um direito, como uma responsabilidade de todos os membros da família. Porém, devido à desigualdade que hoje existe entre os homens e mulheres com respeito à sua educação, as meninas e as mulheres em geral devem receber prioridade até que seja alcançada uma condição de igualdade. É muito longo o período no qual a humanidade se viu privada das contribuições valiosas que as mulheres podem dar para o desenvolvimento da civilização. Quando as mulheres estiverem envolvidas em base igual de direitos e oportunidades com os homens na condução dos assuntos humanos, sejam políticos, acadêmicos, religiosos, e nas áreas econômicas, e derem sua contribuição especial para a vida familiar, em condições justas e claras, então a própria qualidade e o caráter de nosso mundo transformar-se-ão. É por isso que a educação das mulheres deve ser prioritária nas agendas de todas as nações, governos e instituições acadêmicas, sociais e religiosas do mundo.

A família baseada na unidade, criando as condições de igualdade e mutualidade, remove o imperdoável predomínio da falta de confiança e fidelidade que agora existem em muitas famílias e no relacionamento homem/mulher. Isso, por sua vez, resultará no desenvolvimento de condições mais profundas de intimidade e compartilhamento, o que, até agora, pouco ocorre com muitas pessoas em sua interação marital e familiar.

A expressão do amor nas famílias baseadas na unidade, diferentemente daquela que se vê nas famílias baseadas no poder e na indulgência, é incondicional, voltada para os outros, unificadora, e marcada por carinho, suavidade e fraqueza. Em tais famílias, a dor do crescimento, que é um aspecto inevitável do verdadeiro amor, não será mitigada através de injuriosas poções de gratificação e indulgência em curto prazo, paliativo apenas. Também, no contexto das famílias baseadas na unidade, as qualidades de universalidade, criatividade, curiosidade, e a busca da verdade, serão ativamente encorajadas. Em tais famílias, o amor é motivo de unidade e abrangência total; as crianças são ajudadas a amarem-se mutuamente, e também aos outros e à vida que as cercam, sem experimentarem o "amor ambivalente" tão comum nas sociedades e nas famílias baseadas no poder e na indulgência.

Em tais condições, nada propícias, as pessoas são levadas a julgarem não poder amar, ao mesmo tempo, a elas próprias e aos outros, nem suas famílias e outras famílias, seus países e a humanidade inteira, seus concidadãos e todos os outros povos, qualquer que seja sua forma de pensar. A lista é interminável.

O amor, em sua forma pura e natural, não tem limite, não conhece fronteira, não faz exclusões, e não permite violência ou destruição. Acima de tudo, um amor maduro e sadio cria unidade. Assim, na família baseada na unidade, existe um ciclo criativo; a unidade cria o amor e o amor cria a unidade, o que, por sua vez, resulta em mais amor e unidade.

Finalmente, o desenvolvimento da vontade humana e sua expressão são bem diferentes nas famílias baseadas na unidade. Nessas famílias, as práticas de poder e indulgência como competição, controle, individualismo excessivo e independência irrestrita, dão lugar à cooperação, igualdade, universalidade e interdependência. Esta transformação é devida às duas expressões fundamentais e uma madura e sadia vontade humana: serviço, ao nível individual, e justiça, ao nível social.

Quando os seres humanos tomam-se conscientes de sua unidade essencial com todos os outros seres humanos e assumem a coragem de serem fiéis, verídicos e sinceros buscadores da verdade, eles alcançam o grau mais elevado da liberdade humana, então compreendem que o grau mais elevado da liberdade humana é obtido quando o indivíduo se engaja em atos de serviço semelhantes. Enquanto que a ação de servir refere-se ao uso maduro da vontade humana ao nível individual, na sociedade a expressão mais nobre do livre arbítrio é criar condições de justiça à coletividade. Serviço e justiça, portanto, caminham lado a lado. Em uma sociedade ou família baseada na unidade, os indivíduos esforçam-se ao máximo para servirem uns aos outros, enquanto que, ao mesmo tempo a família e a sociedade garantem que a justiça seja o modus operandi do grupo. Assim, os indivíduos não necessitam engajar-se em atos pessoais de justiça, os quais freqüentemente se deterioram em vingança e violência. Da mesma forma, a sociedade, em virtude de sua confiança na justiça, não permitirá que surjam condições de segregação, preconceito, injustiça, anarquia e desordem, nem que sejam criadas uma cultura de desconfiança, desunião e violência.

Esta comparação, das características e da dinâmica das famílias baseadas no poder e na indulgência com as famílias baseadas na unidade, demonstra claramente a enorme distância existente entre elas. Na verdade, as diferenças entre os três tipos de famílias são tão imensas que a resposta imediata de muitos especialistas sobre a família e formadores de opinião é considerar tal transformação como utópica e não realista em natureza.

Conseqüentemente, propõem que busquemos soluções mais "práticas" e "realistas" tais como o combate à pobreza, a segregação, aos vícios, respondendo à rápida desintegração das bases de nossas sociedades e ao alarmante aumento da violência com a introdução de medidas mais rígidas na aplicação das leis e das penalidades.

Tais sentimentos são louváveis e nobres. Porém, temos já bastante experiência para saber que essas medidas sozinhas não são suficientes. Um bom exemplo da inadequação de tais enfoques é o que foi conseguido em resposta ao movimento de direitos civis nos Estados Unidos. Não encontramos causa mais nobre, liderada por destacado grupo de indivíduos e apoiada por um governo mais forte e mais rico, que alcançou considerável destaque nos anos sessenta e setenta. Três décadas mais tarde, tivemos evidências tangíveis do progresso no relacionamento entre membros de diferentes raças, melhoria nas condições de famílias e seus filhos nas cidades do interior, decréscimo das atitudes racistas e preconceituosas entre a população em geral, e o surgimento de novas gerações de jovens de várias origens raciais que iriam relacionar-se com os outros em verdadeiro amor, compreensão e unidade, e demonstrando uma decidida integração e envolvimento interpessoal. Porém, nenhuma dessas mudanças ocorreu em grau apreciável ou significativo. E isso a despeito do fato de ter ocorrido, como resultado desse envolvimento, uma conscientização significativa do problema, uma grande reforma nos corpos legislativos e administrativos, implementados um bom número de projetos aparentemente sinceros e eficazes em muitas partes do país, e surgido uma considerável classe média entre os afro-americanos. Podemos também citar alguns exemplos isolados do progresso comunidades ao longo dos parâmetros descritos acima. No entanto, o resultado geral de todos esses esforços é bastante desencorajador. A razão principal, em minha opinião, reside no fato de não termos identificado completamente os requisitos para a transformação e mudança do indivíduo e da sociedade.

DA TRANSIÇÃO À TRANSFORMAÇÃO

Desde a revolução industrial o ritmo das mudanças, especialmente com relação às condições de vida das pessoas em muitas partes do mundo, foi dramaticamente acelerado. Junto com esta transformação externa, passamos também por modificações significativas em nosso relacionamento interpessoal dentro das famílias e das comunidades, e entre diferentes nações. Para melhor entendermos a natureza e o processo das mudanças individuais e sociais, foram criadas áreas de estudo e especializações como a economia, a ciência política, a arqueologia, a antropologia, a sociologia e a psicologia. Em anos recentes, até mesmo uma disciplina científica especial foi desenvolvida para o estudo das transformações. Essas diversas disciplinas formam agora a base sobre a qual se estudam a natureza e as causas das transformações ocorridas no passado, avaliam as condições do presente e tenta-se prever e dirigir o processo das transformações no futuro. Essas áreas do conhecimento fizeram crescer muito o entendimento sobre nós próprios, mas carecem ainda de maior capacidade para identificar todas as causas e a dinâmica das transformações, particularmente quando dizem respeito à atitude e à conduta humana. Esta deficiência não é surpreendente. A conduta humana não é meramente um reflexo das condições econômicas do indivíduo, como explicou Marx, ou de circunstâncias sociais como os sociólogos detalham, ou de processos psicológicos como Freud postula, ou de imperativos instintivos como os etologistas propõem, nem imperativos evolucionários como Darwin sugere. Estas e outras explicações quanto à natureza, necessidades e conduta dos seres humanos, são todas, até um certo ponto, corretas. Porém, nenhuma delas sozinha, ou mesmo todas juntas, são suficientes para explicar as causas da conduta humana e a dinâmica das mudanças e transformações dos indivíduos nas sociedades. A razão principal deste malogro é a exclusão dos poderes humanos de criatividade e espiritualidade da maioria das políticas e programas propostos e apoiados pelos vários governos, academias e profissionais da área.

Já analisamos alguns dos principais temas sobre os poderes humanos de criatividade quando tratamos das principais capacidades humanas, ou seja, o conhecimento, o amor e a vontade, e seu papel na formação de famílias e sociedades voltadas ao poder, à indulgência e à unidade. Existe muito mais a ser dito a respeito, porém, estão além do escopo desta obra. Aqui, desejo focalizar, brevemente, o papel da espiritualidade: no que afeta às mudanças duradouras e criativas na conduta humana e como facilita a transição de uma orientação de poder e indulgência para uma de unidade.

O Enigma da Espiritualidade

A espiritualidade é o aspecto da natureza humana mais incompreendido e rejeitado na cultura humana. Alguns confundem espiritualidade com religiosidade e outros, com emocionalidade. Muitos consideram a espiritualidade como equivalente à superstição e à falta de racionalidade. Ainda outros consideram a espiritualidade como propriedade das artes, unicamente. Há os que consideram tudo o que estiver além de sua compreensão como sendo espiritual. Existem ainda outras noções de espiritualidade. Na verdade, a espiritualidade tem algumas das qualidades citadas nessas diferentes definições, porém, a espiritualidade é uma realidade muito mais complexa e abrangente. De fato, a espiritualidade é a realidade fundamental do ser humano. Refere-se ao poder humano da consciência e nossa constante busca de significado e propósito para a vida. A espiritualidade conecta o passado, o presente e o futuro. Coloca nossos conceitos de mortalidade e imortalidade em um contexto bem amplo, permitindo-nos enfrentar a morte numa perspectiva de existência em vez de aniquilação. A espiritualidade liga-nos com a fonte de toda a criação e, neste processo, nos permite sermos nós próprios criadores. A espiritualidade torna possível ao ser humano ser igualmente distinto e unido, removendo, desta forma, de uma vez para sempre, a dicotomia existente em nossa mente que trouxe e continua a trazer tanta destruição e tristeza na vida da humanidade. A espiritualidade é a força da transcendência e fonte da transformação7.

Essa indefinível, misteriosa e essencial realidade está cada vez mais ausente dos discursos de nosso tempo. A espiritualidade não é objeto de pesquisa e aplicação às condições de vida de uma forma científica, disciplinada e sólida. Conseqüentemente, as propriedades de iluminar e dar vida intrínseca a uma vivência espiritual estão cada vez mais ausentes de nosso meio. Nossas vidas tomaram-se áridas pelo materialismo, sobrecarregadas pelo peso da imoralidade e amoralidade, e empobrecidas pela ausência de oportunidades para os atos de reflexão profunda, meditação devota e inspiração criativa. Acima de tudo, a humanidade perdeu sua conexão com Deus. E ao excluirmos Deus de nossas vidas, perdemos todas as qualidades divinas que potencialmente todos possuímos.

Nenhum indivíduo ou sociedade será capaz de realizar uma transformação marcante de uma mentalidade voltada para o poder e a indulgência, para uma voltada à unidade, sem alcançar a momentosa meta de integração científica com os princípios espirituais, e aplicá-los em todos os aspectos da vida: individual, familiar e comunitário. Sem tal integração, teremos apenas uma transformação e transição que será uma indicação da deterioração e destruição, em vez do crescimento e transformação. Os desafios diante de nós jamais alcançaram a magnitude atual. É nos exigida muita coragem para nos libertarmos dos fortes grilhões da história passada e dos interesses presentes. O futuro não pode ser construído sobre as bases do que já foi tentado e provado ser ineficaz. A civilização que aspiramos exige uma nova consciência, individual e coletiva, para ser criada corretamente. Não se trata de uma simples transição, mas de uma transformação fundamental. Porém, as boas idéias são valiosas apenas ao grau em que sejam práticas também. Por isso, precisamos estar atentos a praticabilidade de tão monumental transformação em nossas vidas individuais e na coletividade.

Será Possível a Existência da Família Baseada na Unidade?

A resposta a esta pergunta é afirmativa, contanto que trilhemos o caminho das novas idéias com planos e programas práticos. Devemos, primeiro, nos perguntar: "o que queremos dizer com a palavra prático"? Por "prático", referimo-nos a um conjunto de instruções como encontramos nos livros "como fazer" e através de materiais de "faça você mesmo" disponíveis, abundantemente, no mercado das idéias? O termo "prático" refere-se a técnicas que podem ser aplicadas por qualquer pessoa que aprenda os passos necessários para a sua implementação sem compreender a natureza da tarefa à sua frente? Ou "prático" envolve a aquisição de experiência e perspicácia necessárias, em condições de pesquisa sincera da verdade, além de uma profunda transformação pessoal, a qual, por sua vez, nos possibilitará vermos a nós mesmos e o mundo em volta de nós de perspectivas inteiramente novas, livres de preconceito e idéias preconcebidas, abertos a novos conceitos e formas de agir? É essa última versão do significado de "praticidade" a que me refiro nesta apresentação. Dentro deste contexto, afirmo que a transição proposta para chegarmos às famílias e sociedades baseadas na unidade é, na verdade, algo prático. Inevitável até. Existem muitas razões para esta assertiva.

1. Imperativos desenvolvimentistas:

A transição do poder e da indulgência à unidade não é simplesmente uma idéia surgindo do nada. O estabelecimento da unidade é o resultado inevitável da transição da humanidade de sua idade coletiva de adolescência para a idade adulta. Em outras palavras, gostando ou não, estamos sendo levados à unidade. Consideremos as condições ambientais, econômicas e políticas de nosso mundo. Não estão todas exigindo que tratemos desses assuntos de uma perspectiva de unidade? Pode alguma nação, ou grupo de nações, isolar-se do resto do mundo e evitar os problemas relativos à destruição da camada de ozônio, ou a ação do vírus da AIDS, ou mesmo proteger-se dos efeitos do comércio internacional em seus territórios? Será ainda possível manter as massas da humanidade, em uma ou outra parte do mundo, desinformada sobre o que acontece em outras áreas do planeta, mesmo diante das mais rígidas regras de controle? Podemos nos permitir ficar indiferentes e silenciosos quanto ao abuso dos direitos humanos de alguns indivíduos, ou grupos humanos, em qualquer parte do mundo, sem comprometer nossos próprio direitos? A resposta a essas e outras questões é um estridente NÃO, devido ao fato fundamental de que "a terra é apenas um país, e a humanidade, seus cidadãos"8. Nossa tarefa, agora, é não nos opormos a essa realidade, e sim promovê-la através de nossos esforços para criar níveis cada vez mais elevados de unidade, e ao mesmo tempo preservar nossa diversidade.

2. Avanços científicos e tecnológicos:

O rápido desenvolvimento dos meios de transmissão de idéias e informações, combinado com a crescente facilidade de locomoção das pessoas a todas as partes do mundo, criou de fato uma comunidade internacional. Esse processo não é decorrência acidental dos avanços da ciência e da tecnologia. Mais precisamente, ele é resultado direto do esforço humano, inato, para conhecer e unir-se. As forças que impelem as descobertas científicas e as invenções tecnológicas são os poderes da alma humana - conhecer, amar e querer.

Tudo aquilo que é criado pelos homens, é através desses poderes, que todas as pessoas inerentemente possuem. Poderes que se encontram na base essencial de nossa unidade fundamental. As descobertas e os avanços científicos são as ferramentas que nós, seres humanos, utilizamos para nos unirmos, para que possamos nos conhecer melhor, amarmos e servirmos uns aos outros.

3. Lições e experiências políticas:

Apenas neste século conseguimos reunir considerável soma de experiência e discernimento políticos que podem nos ajudar a facilitar a inevitável transição para a próxima fase de nosso desenvolvimento coletivo. Temos agora uma prova clara e irrefutável de que não podemos criar a unidade através da força e da imposição. As malogradas e custosas experiências na antiga União Soviética e nos países do Leste Europeu são exemplos suficientes da veracidade desta afirmativa. Da mesma forma, estamos agora começando aos poucos a nos conscientizar de que o capitalismo, como o comunismo, também não será capaz de nos levar à era de unidade e cooperação internacionais. Isso pelo fato do capitalismo, com sua ênfase na competição e no individualismo, ser uma expressão, muito poderosa do estágio de adolescência da humanidade. Ainda mais, o capitalismo na prática tem demonstrado não ser capaz de criar condições de justiça e eqüidade social. Pelo contrário, sob a vivência capitalista, os extremos de riqueza e pobreza alcançaram um grau perigoso que está levando o sistema a tomar-se autodestrutivo. Os sinais deste processo destrutivo são já discerníveis em muitas sociedades capitalistas. Decorrente dessas realidades é que os líderes do mundo estão sendo cada vez mais atraídos aos princípios de cooperação internacional e ajuda mútua. Não existem mais dúvidas nas mentes de pessoas sérias de que somos interdependentes. Porém, esta conscientização, tão somente, não é suficiente para criar estado de "unidade na diversidade" que é a característica da próxima fase de nossa evolução. Claramente necessitamos de novas perspectivas para a reorganização de nosso mundo. Nesse sentido, deve-se dizer que, em última instância, o agente mais importante para a mudança social é as crianças de hoje, se forem criadas e educadas dentro do pensamento de unidade. Uma nova geração de líderes que vêem a terra como um único país e a humanidade como seus cidadãos transformará o mundo de uma forma dramática e positiva. É aqui que as famílias baseadas na unidade assumem toda a sua importância e realizam seu papel na melhoria do mundo.

4. Receptividade espiritual:

Finalmente, existe outra realidade que toma a transformação acima mencionada algo mais prático. Aqui, refiro-me ao acentuado despertar espiritual que está ocorrendo no mundo de hoje. Após um século de rejeição aberta e rebelde à espiritualidade em favor da pesquisa científica, de reformas políticas, de movimentos humanistas e renascimento fundamentalista, novamente as pessoas em todo o mundo estão se voltando para a espiritual idade. Este longo período de privação resultou em uma fome profunda de espiritualidade e numa busca frenética por tudo aquilo que se pareça, embora de forma remota, com aquele estado espiritual há muito perdido e agora tão ansiosamente sonhado, que a humanidade experimentou de tempos em tempos em sua história. Desta forma, muitas pessoas se volveram para o passado em sua busca de espiritualidade. Porém, esta busca no passado, provará ser fútil. As necessidades espirituais da humanidade nesta época são consideravelmente diferentes daquelas necessárias ao longo período da nossa infância e adolescência coletiva. O que torna nossa época diferente de eras passadas é que a humanidade cientificamente orientada não pode, nem deve, aceitar aqueles conceitos que são ilógicos, arcaicos, fora da realidade e das necessidades da humanidade atual. O estado de confusão que envolve os assuntos relacionados à espiritualidade, moralidade e valores, no entanto, não nos deve deter de buscar uma articulação coerente e universal de princípios espirituais e de aplicar estes princípios em nossas vidas tanto a nível individual, familiar e social. De todos os passos práticos que precisamos tomar para que ocorra a transformação desejada, do poder e da indulgência para a unidade, a busca pela espiritualidade é da maior importância e um grande desafio. Isso porque é através dos princípios espirituais que expressamos efetivamente nossa condição de seres humanos, o objetivo de nossas vidas e nossos destinos individuais e coletivos. Existem apegos profundos às perspectivas do passado e revê-las e modificá-las exige ou um alto grau de autoconfiança e coragem, ou um estado muito acentuado de desespero e miséria. Felizmente, o primeiro será a causa motivadora de nossa busca de espiritualidade.

IV. Criando famílias livres da violência

Chegamos finalmente, ao ponto em que podemos demonstrar como é possível criar-se famílias livres da violência. Já explicamos como a família livre da violência e a família baseada na unidade são a mesma, apenas com diferença de ênfase em um ou em outro aspecto. Na família livre da violência, a ênfase é dada ao tema violência e como erradicá-la da família. Na família baseada na unidade, o enfoque principal é o da unidade e de como ela pode ser criada. Em uma, precisamos erradicar; na outra, criar. Estes são dois enfoques fundamentalmente diferentes na mudança proposta. O primeiro é orientado ao problema; o segundo, à solução. Seus objetivos, no entanto, são iguais. Uma análise mais íntima deste assunto mostrará que na prática devemos tratar de ambos quanto à violência na família, onde e quando acontecer, e, ao mesmo tempo, devemos tratar de sua prevenção com igual, ou ainda com maior atenção. Muitas soluções adotadas por diversos governos e instituições, infelizmente, enfocam apenas o problema da violência em vez de sua prevenção. Quando adotamos a meta de criar famílias baseadas na unidade, teremos então, efetivamente, corrigido este desequilíbrio e removido a forma errônea de pensar que separava os dois enfoques, e que tendem a dominar nosso modo de agir em quase todos os assuntos. Quando comparai-nos famílias voltadas para o poder, ou para a indulgência com aquelas direcionadas para a unidade, entendemos claramente a dicotomia até então existente em nosso modo de pensar, não nos deixando mais cair na armadilha do raciocínio de "tudo ou nada".

Em outras palavras, devemos estar atentos para não incorrer no modo de pensar de que se optarmos pelo modelo da família baseada na unidade, isso significa que deveremos deixar de lado todas as boas qualidades que, sem dúvida, são encontradas também nos outros dois tipos de famílias. De fato, por demonstrarem, esses três tipos de famílias, simplesmente os graus de desenvolvimento individual e coletivo, segue-se que, subindo para um grau superior, estamos, automaticamente, mantendo o que for bom nos graus anteriores e adicionando novas dimensões características da nova fase. Ao deixarmos nossa infância para ingressarmos na juventude e na idade adulta para a maturidade, mantemos em cada nível as principais qualidades que desenvolvemos, e adicionamos outras novas à medida que evoluímos. Os mesmos princípios se aplicam ao desenvolvimento da instituição da família. A tragédia da vida humana não é o fato de termos de enfrentar as dores e incertezas do crescimento, mas, ao contrário, a tragédia é o oposto - que não aceitamos mudança e crescimento, experimentando, por isso, estagnação, deterioração e, eventualmente, destruição.

Três Recomendações

As seguintes ações e condições são necessárias no mínimo, para efetuara mudança desejada e criar famílias livres da violência:

1. Promover a unidade

A realidade da unidade da humanidade e seu resultado inevitável - a unidade na diversidade - devem constituir o elemento essencial do atual diálogo internacional e interpessoal. Seus fatos e princípios precisam ser incluídos nos currículos educacionais, no estudo da história da humanidade, na agenda dos governos do mundo, nos ensinamentos das religiões mundiais, na pesquisa científica sobre as origens do homem e da natureza, nos relatos dos eventos mundiais pela mídia, no desenvolvimento de novas tecnologias, e, acima de tudo, na educação das crianças bem como na de seus pais e de seus professores.

Nesse sentido, nada melhor que a reunião, em uma conferência mundial, dos líderes do planeta. Isso pelo fato de que a aceitação da unidade da humanidade e a decisão de estabelecer paz política internacional baseada na unidade na diversidade exigem uma mudança fundamental em nosso modo de pensar. Esta mudança é de natureza profundamente espiritual, psicológica e social. Exige boa vontade de parte dos líderes do mundo para deixarem de lado seus apegos e confiança nas coisas relacionadas ao conceito de poder e força, e, em contrapartida, aprenderem a usufruir da colheita dos frutos da unidade. Poder e força são buscados pelos líderes com veemência porque eles se julgam inseguros no mundo competitivo e violento em que vivem. Os líderes, compreensivelmente, temem que sem o poder tornar-se-ão alvos de indivíduos e grupos mais poderosos e que lutam também pelo poder, e que, no processo, não somente poderão perder suas próprias posições, mas também seus povos irão sofrer em conseqüência. Existe ampla evidência, tanto na história como no mundo contemporâneo, de que tais temores são justificados.

Porém, a posse do poder por si mesma não é mais garantia de segurança dos próprios líderes ou de seus povos. O recente colapso de um dos dois maiores superpoderes, a queda do Xá do Irã, a dissolução do que antes era a Iugoslávia, e a queda de líderes em muitos outros países, são todos exemplos e lembretes aos líderes de que o poder e a força não mais garantem a segurança e a salvação.

Da mesma forma, um país detentor de forte poder militar não se toma automaticamente um país seguro. Na verdade, o oposto é mais verdadeiro. Recordemos que a morte e a destruição sofridas pelas massas da humanidade foram resultados de lutas e poder entre vários grupos, todos utilizando poderosos instrumentos de guerra e de "autodefesa".

Recordemos que milhares e até milhões foram mortos, injuriados, deslocados e traumatizados em todo planeta. Se os poderes militares e econômicos fossem ferramentas eficazes para garantir a segurança e a estabilidade aos governos e nações, sua manutenção, então, embora custosa e destrutiva, seria até certo ponto justificável. No entanto, a história amplamente demonstra que "a colheita da força é a tirania e a ruína da ordem social"9.

Devido a esses fatos, é óbvio que o mundo precisa passar pela transição do poder à unidade, e também é evidente que esta transição poderá ocorrer pacificamente, mas somente pela decisão conjunta e firme de todos os líderes do mundo, no sentido da criação de uma era de unidade política como primeiro passo fundamental para o estabelecimento da paz no mundo. Não há dúvida de que tal decisão exige um alto grau de coragem, humildade, desapego e maturidade psicológica e espiritual. Também não há dúvida que um número crescente dos líderes do mundo estão preparados para considerar alternativas às atuais práticas destrutivas baseadas no poder, na arena da diplomacia internacional. O tempo é propício para que as Nações Unidas tomem a iniciativa deste momentoso objetivo e iniciem consultas para a reunião de uma "Conferência de Cúpula sobre Unidade e Paz" no ano 2000, para assinalar o início do novo milênio.

2. Dar prioridade à família

Como preparação para o advento da unidade política e da paz mundial, é essencial que a realidade da unidade da humanidade seja ensinada universalmente e demonstrada em ação. A família é a melhor e a mais efetiva instituição para ensinar o conceito da unidade da humanidade e para expressar nossas capacidades de vivência de unidade, e tomarmo-nos "unificadores" em todas as nuances de nossas vidas. São muitas as justificativas deste fato - entre outras, a realidade de que a família é a base fundamental de todas as sociedades do mundo; que as famílias no mundo inteiro incluem a totalidade da população do planeta, e também de que as crianças desenvolvem seus conceitos universalistas principalmente decorrentes do que aprendem e experimentam em suas famílias. Devido a esses fatos, é claro que tanto os governos como as organizações não governamentais do mundo, precisam dar atenção prioritária ao desenvolvimento da família, ajudando e educando seus membros a saberem como criar famílias baseadas na unidade e na não violência. Em particular, os pais e seus filhos devem aprender a resolver conflitos e tomar decisões sem recorrerem a práticas destrutivas do poder e da força, de um lado, nem de indulgência e permissividade, de outro. Este é um caminho muito estreito a percorrer, e muitos pais não sabem como tratar desses assuntos de forma convincente. Com o desenvolvimento de novos métodos e formas de educação e treinamento já à nossa disposição, não existe razão legítima para não atingirmos os pais e seus filhos através da televisão, do rádio e de outros meios, provendo-os com o discernimento e com as técnicas devidas sobre como criar famílias voltadas à unidade e livres da violência.

3. Dar prioridade à educação das mulheres

Existe uma tendência de ver a cultura e a religião como realidades imutáveis às quais tudo o mais deve se submeter. Esta forma de ver as coisas não é realista e correta. Toda a criação e qualquer forma de vida estão sujeitas às leis imutáveis de mudança, declínio e renovação. Culturas e religiões não estão isentas da ação dessas leis universais. De fato, no âmago das crises contemporâneas constata-se que enquanto ocorrem mudanças em todos os aspectos de nossas vidas, de nossas atitudes e valores, que são decorrentes de nossas culturas e religiões, nenhuma delas tem se modificado, ou então adquirem uma forma de pragmatismo sem o freio dos princípios espirituais. Neste aspecto, a ciência está bem à frente da religião e da cultura. Infelizmente, muitas culturas e religiões negam às mulheres as suas oportunidades de direito e igualdade.

Quando as meninas e as mulheres em geral receberem melhor educação e tiverem posição de igualdade em todos os aspectos da vida da sociedade, com certeza teremos casamentos mais estáveis, famílias mais unidas, filhos melhores educados e treinados, comunidades mais coesas e pacíficas, economias mais fortes e sociedades menos violentas. Como dito antes, a família é a oficina da civilização, e as mulheres, iguais aos homens, são necessárias para criar famílias baseadas na unidade e livres da violência.

Existem três recomendações gerais para criação de famílias baseadas na unidade e livres da violência: criar unidade, colocar a família em primeiro plano e dar prioridade à educação das filhas e das mulheres. Ainda mais, o enfoque nesses assuntos fundamentais é mais efetivo e prático do que tentar tratar de cada problema específico um a um. Devemos lembrar que muitos dos problemas do mundo são, na verdade, sintomas dos desarranjos estruturais decorrentes da desunião, desigualdade, injustiça e materialismo que têm tão perigosamente afetado o mundo da humanidade. Portanto devemos tratar os aspectos essenciais e ter confiança de que os poderes criativos dos povos encontrarão novos caminhos para alcançar o único objetivo fundamental: a unidade

A citação a seguir descreve adequadamente nossa história e tarefas atuais:

"O mundo passado foi governado pela força, e o homem exercia domínio sobre a mulher por suas qualidades mais vigorosas e agressivas, tanto do corpo como da mente. Mas o fiel da balança está se alterando - a força está perdendo seu peso de influência e sua vivacidade mental e intuitiva. As qualidades espirituais de amor e serviço, nas quais as mulheres são fortes, estão ganhando ascendência. Portanto, a nova era será uma era menos masculina e mais permeada de ideais femininos, ou, para falar mais exatamente, será uma era na qual os elementos masculinos e femininos da civilização serão mais harmoniosamente equilibrados10.

Notas

1. O ponto de vista de que a humanidade está agora no estágio final de sua adolescência coletiva foi enunciado por Bahá'u'lláh nas últimas décadas do século XIX. Para maiores detalhes, ver Shoghi Effendi, The World Order of Bahá'u'lláh, publicado pela Bahá'í Publishing Trust, Wilmette, Illinois, USA, 1938.

2. Esta analogia é de 'Abdu'l-Bahá: "A humanidade é como um pássaro com suas duas asas - uma representa o homem e a outra, a mulher. A não ser que ambas as asas sejam fortes e impelidas por uma força comum, o pássaro não poderá voar para os céus. De acordo com o espírito desta época, as mulheres devem progredir e cumprir sua missão em todos os setores da vida, tomando-se iguais aos homens." (Como citado em Bahá'í Marriage and Family Life, Bahá'í Canada Publications, 1983, p. 43)

3. 'Abdu'l-Bahá, citado em Bahá'í Marriage and Family Life, Bahá'í Canada Publications, 1983, p. 29.

4. Para uma apresentação mais completa sobre os poderes humanos do conhecimento do amor e da vontade, e da natureza e dinâmica de seu desenvolvimento, ver The Psychology of Spirituality, por H.B. Danesh, M.D.

5. Para mais detalhes sobre o conceito de liberdade, ver: Unity: the Creative Fundation of Peace, e The Psychology of Spirituality, ambos de H.B. Danesh, M.D.

6. Para aprofundamento maior no estudo do papel do poder e da indulgência nos relacionamentos humanos e as alternativas existentes para os mesmos, ver; Unity: The Creatíve Foundation of Peace, H.B. Danesh, M.D.

7. Para mais detalhes sobre o conceito de espiritual idade, ver The Psychology of Spírituality, H.B. Danesh, M.D.

8. Bahá'u'lláh, Epístolas de Bahá'u'lláh, Editora Bahá'í do Brasil.

9. 'Abdu'l-Bahá, Seleção dos Escritos de 'Abdu'l-Bahá, Editora Bahá'í do Brasil.

10. 'Abdu'l-Bahá: publicado na revista Star of the West, volume 3, n. 3, Chicago, Bahá'í News Service, 28 de abril de 1912, p. 4.

Apêndice I
Criando FAMÍLIAS LIVRES DA VIOLÊNCIA
Um relatório do sumário do Simpósio
Nova Iorque, 23-25 de maio de 1994

Violência familiar é um problema global e pernicioso. Para encontrarmos o desafio deste problema crucial, acadêmicos, praticistas de base, profissionais de saúde mental e representantes de mais de 30 organizações não-governamentais (ONG´s) e duas agencias das Nações Unidas mantiveram dois dias de simpósio em maio de 1994.

O simpósio foi uma iniciativa do escritório da Comunidade Bahá'í Internacional para o Avanço das Mulheres em colaboração com o Fundo das Crianças das Nações Unidas (UNICEF) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para Mulheres (UNIFEM) por ocasião do Ano Internacional da Família (1994).

Fundamentado em uma diversidade de culturas, profissões, experiências e perspectivas, participantes da China até o Caribe, trabalharam junto em um ambiente de confiança e respeito. Eles permutaram pontos de vista e acharam áreas de concordância em um compromisso coletivo para expandir seus esforços para criar famílias livres de violência.

Violência doméstica, os participantes concordaram, toma muitas formas, afeta todas as esferas de sociedade e todos os aspectos do desenvolvimento humano.

Os vínculos entre violência na família e violência social, estrutural e política são inevitáveis. Os participantes exploraram estratégias e levantaram perguntas que enfocaram tanto em prevenção, como também, em intervenção. Qual é o melhor caminho para levantar consciência pública sobre o âmbito e seriedade da violência familiar? Como alguém quebra a intergerencial espiral e previne crianças mal-tratadas de tornarem-se adultos ofensivos ou mal-tratados? Eles exploraram estratégias para ajudar esposas e filhas espancadas a desenvolverem auto-estima e valor próprio, habilitando elas a expor o mito histórico e poderoso de sua própria base inútil de gênero e tomar ação em seu próprio detrimento. Depois de dois dias de seminários e discussões, participantes alcançaram um consenso, no qual se desenvolveu uma abordagem holística e um consenso múltiplo disciplinar, de que a tarefa desafiadora de criar famílias livres de violência não é só uma necessidade, mas uma realidade realizável.

Esforços efetivos para criar famílias livres de violência exige uma associação entre homens e mulheres e a participação ativa de todos os setores sociais. Estratégias para reparar e remédios devem ser criados para incluir a família inteira, porque a dinâmica de violência familiar afeta diretamente todos os seus membros. Este esforço deve começar, disse o locutor Dr. H. B. Danesh, Diretor de Academia de Landegg e o Instituto para Educação e Desenvolvimento Internacional em Weinacht, Suíça, com uma nova visão da "família". Qualquer seja seu tamanho ou composição, ele disse, aquela família deve ser baseada em "unidade, igualdade e respeito mútuo, em lugar de poder."

Esta visão exige uma gama de ações, do re-exame de valores e atitudes para a definição de comportamento violento criminoso. A consciência levantada, intervenção e prevenção devem ser processos simultâneos. "Erradicando violência na família não é um assunto de escolha ou cavalheirismo ou graça ou boa natureza", disse Marjorie Thrope, representante da Diretora da UNIFEM, em seus comentários finais. "É uma obrigação e uma responsabilidade imposta em nós, por nossa humanidade e nossa interdependência."

As seguintes conclusões emergiram em consenso pelo Simpósio:

A violência familiar deve estar publicamente reconhecida como um problema. Negação, em todo nível, é um dos maiores obstáculos para erradicar violência familiar. A necessidade humana de amor e aceitação, freqüentemente, previne vítimas de falar ou até admitir que o abuso está acontecendo. Elas devem ser ajudadas para reconhecer violência quando ela acontecer - a elas, ou a uma irmã, irmão, tia, ou avó - e ser fornecido com os sustentados serviços necessários legais e emocionais. As mulheres e crianças devem ser ajudadas a evitar conspirar com homens em perpetuar violência, mantendo-se silenciosas, desculpando violência, culpando elas mesmos, e aceitando razões culturais.

Os custos sociais e econômicos de violência familiares são incalculáveis. De acordo com Alda Facio, Diretora do Programa das Mulheres, Gênero e Justiça no Instituto de Prevenção de Crime Latino-Americano na Costa Rica, estes custos variam de hospitalização para abusos sexual e físico às crianças e mulheres, tratamento médico para abortos inseguros e doenças sexualmente transmitidas, para impostos legais e para abrigos de mulheres espancadas, e casas de apoio para crianças.

Porém, o preço da violência não é só monetário, disse Facio. O custo inestimável de perda de produtividade por danificar indivíduos, impossibilita seu funcionamento completo, além da perda psíquica de identidades, e até perda de vidas deve ser também considerada. "Pense sobre os milhões de mulheres que convivem com violência e o medo de violência. Elas perdem sua sensação de identidade que tinha sido corroída até o ponto delas aceitarem a versão contaminada de realidade ditada por seus infratores. Pense sobre as mulheres que pagam com suas vidas, ou por suas próprias mãos ou as mãos de outros."

Violência Familiar é um assunto de desenvolvimento humano. Esposas mal-tratadas, mães e filhas que são espancadas, estupradas, privadas de dignidade humana e o querer para encontrar suas necessidades básicas. Também, as crianças traumatizadas que vivem nestas casas, onde elas testemunham ou são habitualmente sujeitas a espancamentos, abuso sexual e verbal, e negligenciadas. Demonstrando e perpetuando as relações do poder historicamente desigual entre gêneros, violência familiar impede severamente o total desenvolvimento e avanço de ambos, homens e mulheres: reproduzindo propriamente em geração após geração, isto atravanca o crescimento e desenvolvimento de toda uma sociedade. Para alcançar efetivas estratégias de desenvolvimento, agências e organizações que trabalham com mulheres e crianças devem aumentar sua sensibilidade para o assunto de violência e fazer disto o centro do seu trabalho.

Violência Familiar é um assunto de direitos humanos. Profundamente arraigado em preconceito de gênero cultural e religioso, é sustentado, até institucional, por muitas sociedades patriarcais. A violência familiar surge de sistemas sociais e legais que "confiam" ao cuidado de homens, as mulheres e crianças, de fato, concedendo a eles licença ilimitada para dominar, oprimir, e até "possuir" elas. Em sociedades onde a propriedade das mulheres está publicamente contrariada, violência familiar pode ser uma parte culturalmente inata de educação, embutida na consciência de todos os membros familiares como "aceitáveis" e "normais". Além disso, ao contrário das sabedorias convencionais, um ganho no status para mulheres traz freqüentemente um aumento, não uma diminuição, em relatar casos de violência por homens, os quais se sentem ameaçados por uma perda do poder.

"O primeiro passo em dar fim a violência familiar," disse Dra. Nahid Toubia, do Conselho de População, "é reconhecer certas práticas, como mutilação genital e carbonizar viúvas, podem ser fontes de orgulho cultural e que servem para manter a ordem social existente". Em outros casos, ela disse, pessoas consideram as esposas espancadas, excessivo castigo de crianças e o infanticídio de bebê meninas como "desagradável, mas uma realidade inevitável".

Em muitos países, violência familiar é ignorada ou tolerada em nome da religião, da cultura, e da "familiaridade" em que a santidade da unidade familiar toma precedência rígida acima da segurança de seus membros individuais. Quando criamos os níveis dos policies, violência familiar é freqüentemente considerada um assunto privado e em muitos países, um membro familiar é proibido por lei de denunciar outro, até para os atos mais sérios e violentos. E onde existir leis proibindo violência familiar, existe freqüentemente pequeno esforço para cumprir-las; de fato, a lei é freqüentemente o último recurso para vítimas de abuso.

Uso efetivo dos direitos humanos direcionados a criar famílias livres de violência exigirão execução de convenções internacionais como a Convenção na Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra mulheres e a Convenção nos Direitos da Criança. Também, exigirá intervenções do estado em proteger mulheres e crianças de abusos e previne tais violações de acontecer. Líderes religiosos e políticos, oficiais da justiça, educadores devem ser sensibilizados e mobilizados para sustentar novos valores culturais de respeito mútuo, em lugar de dominação de um gênero acima do outro.

Uma sociedade violenta produz famílias violentas. Da mesma maneira que violência familiar afeta a sociedade mais amplamente, uma sociedade violenta reforça e até cria um clima maduro para violência familiar. Violência institucionalizada, opressão, e desigualdades econômicas e sociais rigidamente mantidas, podem simultaneamente vitimar homens e tornam-os perpetuadores de violência contra aqueles até mais carentes - suas esposas e crianças - em uma sociedade que já se construiu sobre autoridade e preconceito do gênero masculino. Na África do Sul, por exemplo, Hlengiwe Mkhize. Diretora do Projeto Crianças em Violência, da Universalidade de Witwatersrand, em Johannesburg, evidência que seu país revela um vínculo claro entre opressão iniciada no estado e violência doméstica. A unidade familiar, ela disse, se torna o enfoque de tensão acumulada e um chão fértil aos atos múltiplos de violência doméstica, de tortura e assassinato familiar, de esposas espancadas, molestamento sexual, e o abuso diário mental e físico, sofrido por crianças crescendo em famílias alcoólicas e violentas.

A violência familiar deve ser tratada pela comunidade mundial. Não é um assunto privado, mas se tornou um pandemônio global que a comunidade internacional não pode, nem ignorar, nem permitir proteger dentro do isolamento familiar. É uma aflição que saqueia todas as regiões do mundo, todos os níveis econômicos e educacionais e todos os tipos de famílias. A família é o local primário de socialização e desenvolvimento humano. Se aquele processo de desenvolvimento é distorcido ou refutado, as conseqüências podem ser irreversíveis. Os comportamentos aprendidos na casa são reproduzidos amplamente na sociedade. "Nós no sistema das Nações Unidas", disse Karin Sham Poo, representante da Diretora Executiva para Operações da UNICEF, em sua declaração de abertura, "temos afinal, reconhecido violência na família como um obstáculo formidável para desenvolvimento sócio econômico, para não citar paz e justiça universal."

Comunidades e governos devem ser mobilizados para ação. Eles devem ser mobilizados para ação. Eles devem estabelecer cadeias e canais diretos para reduzir o isolamento e fornecer segurança para vítimas, por assim dizer. A pesquisa participatória é um caminho efetivo para sensibilizar comunidades para a existência de violência, habilitando-os para desenvolver suas próprias definições e suas próprias soluções. Uma definição, em funcionamento, de violência familiar e uma lista de conferição simples de sintomas para uso dos professores, enfermeiras, pais, terapeutas e doutores, precisam serem desenvolvidas. Os governos devem ordenar e implementar leis; desenvolver políticas, programadores adequados, e medidas agressivas protetoras para as vítimas; fornecer alocações orçamentárias; e montar grandes campanhas de consciência pública com a finalidade de erradicar violência familiar.

As NGO's tem um papel importante para fazer - e elas já estão fazendo isto. Os participantes de simpósio reconheceram a natureza assustadora de violência familiar como uma aflição global que exige uma solução global. Eles foram, também, inspirados e motivados pelo grau comum de preocupação e o número de concretas bases estratégicas, já postas em ação - do Quênia até o Canadá, de projetos de modelo familiares até a pequenos canais de comunicação. Multiplicado mundialmente, o trabalho inovador de NGO em treinar, reabilitar, ou advogar pode ter um impacto poderoso em reduzir violência familiar. Para criar famílias livres de violência, a larga comunidade em desenvolvimento deve desenvolver estratégias efetivas que são múltiplo disciplinares, colaboradoras e sensíveis para as condições específicas culturais e sociais em que a violência acontece.

A mídia deve eliminar imagens estereotípicas de meninas e mulheres e retratar elas em relação de igualdade com os homens. A explosão das comunicações neste século criou uma indústria da violência multi-bilionária em filmes, programas de televisão, revistas e música, que glorificam a violência. Elas perpetuam a concepção errada que violência doméstica é provocada, até desejada por suas vítimas. As mensagens da mídia que glorificam guerra ou violência social como expressões naturais da potência masculina e reforçam a imagem de mulheres como objetos sexuais impotentes e disponíveis, dirigidas ao macho, precisam ser paradas.

Sistemas educacionais precisam redesenhar o currículo, textos, programas de esporte e outras atividades para promover igualdade de gênero. Em uma comunidade caribenha, quando uma escola secundária ofereceu um curso eletivo para desenvolvimento de crianças e educação de filhos, a classe era composta de mais de 50% de meninos. Organizações orientadas por jovens, também, precisam enfocar em educar meninos para desenvolver atitudes não violentas através de igual aconselhamento, novas formas de resolução de conflito, novos modelos de símbolos e papel da masculinidade.

Tirando das discussões do seminário, participantes do Simpósio propuseram o seguinte conjunto selecionado de recomendações:

Pesquisa

·Junte e analise dados novos e existentes de abuso nos tipos e escopos através de vítimas, hospitais, relatórios policiais, e agências comunitárias para usar na criação de policies e advocacia;

·Consolide e dissemine informações sobre modelos de intervenção bem sucedida e programas preventivos;

·Administre pesquisa qualitativa participatória dentro do nível da comunidade para avaliar a natureza, freqüência e conseqüências de violência familiar e ajude a projetar estratégias de intervenção e de prevenção.

Educar, Treinar, Advogar

·Forneça apoio e treinamento para a linha direta dos colaboradores de crianças carentes - famílias, trabalhadores sociais, e assistentes de nascimento tradicional (TBAs)- na diagnose, tratamento e prevenção de violência familiar;

·Sensibilize a polícia, judiciário, políticos e líderes religiosos relativo à saúde mental, quanto às conseqüências econômicas e sociais da violência familiares e treinem-los em estratégias preventivas.

·Desenvolva materiais sensíveis ao gênero, textos, brinquedos, etc; para disseminação em consultórios, comunidades e creches e onde quer que famílias estejam presentes;

·Forneça treinamento especial para mediação por igual e resolução de conflitos de professores, de forma que eles possam ensinar cooperação na sala de aula;

·Crie consciência pública através de todas as formas de cadeias de mídia e comunidade existente, apresentando violência familiar como um problema sério com conseqüências sérias:

·Organize classes para meninos e meninas para desenvolverem uma abordagem igualitária para educação de filhos e outros papéis - por exemplo: compartilhando tarefas e recursos; fornecendo oportunidades para meninas fora da casa, inclusive treinamento de educação e trabalho;

·Eduque mulheres e crianças sobre seus direitos e facilite o desenvolvimento de estratégias para proteger a si mesmas.

Serviços

·Forneça intervenção e apoio para vítimas de violência familiar, inclusive aconselhamento, abrigo e apoio financeiro e legal;

·Ofereça programas de enriquecimento para famílias mais pobres, apontando os membros mais vulneráveis e reforçando esforços e recursos familiares existentes;

·Exija aconselhamento para aqueles que abusam, ajudem eles a refletir sobre suas próprias experiências e as causas principais de seus atos, e para aprender novos caminhos para construir sua auto-estima e manipular sua ira.

Legislação Internacional e Nacional

·Dissemine convenções internacionais e especifique seções relevantes da Convenção dos Direitos da Criança e a Convenção na Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres, com anotações simples no uso destes documentos;

·Ordene e promova legislação nacional que criminalize todas as formas de violência doméstica e fornece mecanismos de monitoração e execução;

·Exija responsabilidade maior dos oficiais da lei, sistemas judiciários, serviço social, consultórios médicos e psiquiátricos, e relativo a sua ajuda nos casos de violência doméstica.

APÊNDICE II
PROJETO
A FAMÍLIA LIVRE DA VIOLÊNCIA
Uma proposta do Dr. H.B. Danesh, M.D.
1. Declaração sobre o Problema/Necessidade

A violência não é algo novo na sociedade humana. A história da humanidade está repleta de degradantes exemplos de violência de pessoas contra pessoas, muitas vezes perpetradas em nome de uma religião, raça, nacionalidade e da honra da família. Nesse sentido, nosso mundo não é diferente do passado. No entanto, uma realidade das mais alarmantes e devastadoras de nossos tempos é o fato de que a instituição da família tem se tornado cada vez mais violenta e desestruturada. No passado, a família era vista com um certo grau de deferência e respeito. Isso não mais ocorre. Temos agora muito mais famílias despedaçadas e revoltadas do que em tempos pacíficos. De alguma forma, as crianças e os jovens educados em muitas famílias americanas demonstram características similares às de crianças retiradas de uma zona de guerra.

A realidade é que todas as pessoas são criadas nobres em sua essência e iguais quanto às suas capacidades e necessidades inatas. Quando as circunstâncias da vida negam ao indivíduo a oportunidade de desenvolvimento de suas capacidades e de entendimento de suas necessidades fundamentais, então tal pessoa toma-se temerosa, ansiosa e revoltada. A vida não lhe traz esperança nem vitalidade, tomando-se a agressão e a violência como ferramentas básicas no tratamento contra as ameaças e misérias do mundo que a cerca.

Todas as crianças, e através delas todos os seres humanos, devem ter oportunidade de treinar suas mentes de uma forma sistemática e sadia, desenvolvendo suas capacidades de dar e receber amor, demonstrar disciplina interna dentro de um contexto nobre da moral e da ética. Ainda mais, cada ser humano quer sentir-se como pertencendo não somente a um grupo restrito de pessoas, mas a toda a humanidade.

Sem tal desenvolvimento e senso de identidade, as pessoas tendem a apegar-se a identidades menores e a desenvolver uma mentalidade de eu e os outros. Como tal o mundo das crianças e dos jovens toma-se um mundo perigoso, cheio de inimigos, de estrangeiros e estranhos. Sob tais circunstâncias, formam-se as gangues, territórios são delimitados, inimigos identificados, armas obtidas, lutas mantidas, e muitas outras formas de violência contra si mesmo, contra os outros e contra o meio ambiente.

Todos os seres humanos têm três categorias de necessidades que devem ser atendidas, se desejamos uma vida feliz e bem sucedida. São as seguintes: necessidades de sobrevivência, necessidades psicológicas e necessidades espirituais. As primeiras, de sobrevivência, referem-se às necessidades de alimentação, abrigo, cuidados com a saúde, segurança e outras fundamentais a uma vida humana condigna.

As necessidades psicológicas referem-se a itens como uma vida familiar feliz e estável, um senso de pertencer a um grupo social satisfatório, uma vida livre do racismo, do sexismo, e oportunidades para receberem uma boa educação e orientação correta na vida, a fim da pessoa tornar-se um membro valioso e ativo da sociedade.

As necessidades de sobrevivência e as psicológicas, no entanto, não satisfazem a categoria mais crucial que são as necessidades espirituais. Não falamos aqui de necessidades religiosas, mas da necessidade que tem o espírito humano de soerguer-se e evoluir a uma atmosfera de amor e unidade, de verdade e iluminação, de igualdade e justiça.

Essas qualidades são espirituais em sua natureza e, portanto, nenhum programa psicológico, econômico, ético ou religioso, embora saudável e abrangente em seu conteúdo e em sua aplicação, poderá satisfazer as necessidades essenciais das crianças e dos jovens, a não ser que integre as três categorias de forma harmoniosa - a da sobrevivência, a psicológica e a espiritual.

A proposta aqui apresentada incorpora todas essas categorias de necessidades em seu conceito, em sua estrutura e em sua aplicação.

2. O Propósito do Programa

O programa objetiva demonstrar a eficácia positiva, a longo prazo, de uma ação voluntária voltada à comunidade e totalmente inclusiva, para a redução e eventual prevenção da violência nas famílias, para a criação de condições sadias para o desenvolvimento das crianças e dos jovens, e para a participação ativa de todos os membros da família e da comunidade no progresso crescente de suas vidas: individual, familiar e comunitária.

3. Os Elementos Essenciais do Programa

O primeiro ano deste programa é um projeto piloto, que prevê:

A. Criar uma COMUNIDADE pequena, multicultural e diversificada de dez famílias voluntárias que irão participar no projeto. Todos os membros desta família: crianças, jovens e adultos, serão membros da COMUNIDADE e terão oportunidades e responsabilidades de acordo com sua idade, talentos individuais e com as circunstâncias de cada caso. As famílias voluntárias serão escolhidas para criar uma COMUNIDADE diversificada em sua composição, com pelo menos três famílias de americanos brancos, americanos negros e americanos índios, americanos asiáticos e outras origens étnicas específicas. A COMUNIDADE pode incluir tanto pais e mães, ou famílias só com o pai, ou só com a mãe e com um ou mais filhos.

O objetivo aqui é criar uma representatividade que reúna as massas da humanidade que formam a nação americana. Esta nação é o local de encontro de todos os povos do mundo e terá de ser capaz e ter boa vontade para isso, de estabelecer um modelo para o resto da humanidade de como criar uma sociedade pacífica e progressista. Nesse sentido, a primeira partilha de responsabilidade está com o grupo majoritário. Por isso, a participação ativa de pelo menos três, mas não mais que cinco, famílias americanas brancas é essencial para o sucesso do programa. Da mesma forma, os americanos de origem africana têm um lugar especial na história e na cultura da América e, por esta razão, faz-se necessária a participação de pelo menos três famílias com esta origem étnica. O número de famílias de outras raças deve ser determinado de acordo com o tamanho da comunidade a ser trabalhada. Porém, por duas, inúmeras razões, é importante ter pelo 'menos preferencialmente três famílias, da mesma origem étnica em qualquer agrupamento de famílias.

Durante o ano, essas dez famílias, juntas com dez profissionais da área de saúde, escolhidos entre aqueles identificados por sua participação em instituições com tal objetivo, irão atuar em um programa inicial, de uma semana, que visa ajudar aos outros integrantes apreender os princípios básicos da tarefa de construir uma comunidade.

Entre as características de uma comunidade sadia estão as seguintes: o reconhecimento do princípio da unidade na diversidade, um alto nível de cooperação entre os membros da comunidade, um esforço ativo para eliminar todos os sinais de sexismo, racismo, e outras formas semelhantes de conduta e, finalmente, uma capacidade de tomar decisões, e resolver conflitos de uma maneira construtiva e harmoniosa. Tal comunidade rejeita todas as formas de violência e, por sua própria natureza, gradualmente erradica a violência de seu meio.

Durante os trabalhos da primeira semana, os membros da comunidade serão ajudados a concordar com um calendário de atividades para o ano inteiro. O propósito dessas atividades é fortalecer as bases de sua recém criada COMUNIDADE nas linhas descritas acima. Adicionalmente, um profissional de saúde será designado para cuidar de cada família. Outros grupos de famílias e seus profissionais de saúde, por elas determinados, serão formados de acordo com as circunstâncias de cada grupo.

A cada três meses haverá ema reunião de grupo de trabalho, envolvendo todos os membros da COMUNIDADE (isto é, dez famílias, dez profissionais de saúde e alguns outros indivíduos ativamente envolvidos no projeto) e o Consultor Geral do Programa, para analisar o andamento do projeto e seu crescente progresso para a realização de seus objetivos. Outra reunião de trabalho de cinco dias será realizada ao final do ano, para levar este projeto piloto à sua próxima fase, envolvendo muito mais famílias e utilizando as famílias e os profissionais de saúde que participaram do projeto piloto como catalisadores.

Durante o ano e nas três reuniões dos grupos de trabalho, um pesquisador assistente reunirá os dados necessários para uma avaliação objetiva e completa do projeto. Neste sentido, o envolvimento de um Departamento apropriado da Universidade será assegurado.

A participação neste projeto deve ser vista como um privilégio, um trabalho pioneiro num aspecto muito crítico de nossa sociedade, e um ato nobre de serviço à comunidade. Portanto, as famílias participantes devem ser encorajadas a encontrar meios para que suas participações nos grupos de trabalho e nas atividades em geral sejam auto-sustentadas, tanto quanto possível.

Para ser sincero, esta curta descrição não transmite completamente os aspectos teóricos e práticos do projeto. No entanto, contém informação suficiente para prover os dados necessários para este propósito.

B. O segundo objetivo deste projeto é treinar pelo menos dez profissionais de saúde e dez famílias que possam, alguns ou todos os participantes, ajudar a expandir o programa depois de seu primeiro ano, e gradualmente criar muitas famílias livres da violência dentro do contexto de comunidades livres de violência.

Notas finais

Este projeto, em virtude de seu propósito e respectivo processo de aplicação, apresenta várias facetas e será aprimorado necessariamente. Portanto, nem todas as suas dimensões podem ser explicadas em uma proposta sintética como esta, e nem todas as suas ramificações podem ser previstas no início. A COMUNIDADE é um organismo social e seu processo de crescimento é grandemente afetado pela qualidade de seus membros, pela natureza de seus objetivos, pelo grau de apoio de quem o recebe e pela orientação profissional que conseguir transmitir.

H.B. Danesh, M.D.
OUTRAS OBRAS DO AUTOR

Esta conferência representa um resumo de meus trinta anos de pesquisa e de trabalho clínico tratando de assuntos ligados à família e à vida matrimonial.

Minhas perspectivas são baseadas tanto em meu treinamento e experiência como psiquiatra, como nas contínuas pesquisas e trabalhos relacionados com a espiritualidade, seu lugar e relevância em nossas vidas.

Quanto a este último, meu modo de pensar é particularmente influenciado pelas perspectivas Bahá'ís sobre a natureza da realidade humana, o propósito da existência humana e a harmonia essencial que deve existir entre os princípios científicos e espirituais que governam nossas vidas. Alguns dos conceitos e modelos apresentados nesta conferência foram mais detalhadamente analisados em três dos meus livros:

- H.B. Danesh, M.D., The Psychology of Spirituality, co-publicação de Nine Pines Publishing, Ottawa, Canadá, e Paradigm Publishing, Victoria, Canadá, 1994

- H.B. Danesh, M.D., Unity: The Creative Foundation of Peace, publicado pela Bahá'í Studies Publications, Ottawa, e Fitzhenry & Whiteside, Toronto, Canadá, 1986

- H.B. Danesh, M.D., The Violence-free society: a Gift for our Children, publicado pela Bahá'í Studies Publications, Ottawa, Canadá, 1979

Nesses livros são também feitas diversas referências a descobertas e documentos oficiais sobre assuntos diretamente relacionados aos temas desta apresentação.


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